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Coisas da Meninice (ou brincadeiras) |
Em género de Prefácio -
Carmo Vasconcelos
Esta crónica está uma
gracinha! (Como você era um menino levado, não?)
Bom... também não se pode dizer que eu fosse "uma santinha"... Rsrsrs Falando sério: Carlos, você tem uma memória de elefante... Mas não me admiro, porque eu também lembro bem de todos esses sítios, ruas e calçadas, onde, conforme já temos conversado, passámos ambos a nossa meninice e rompemos as solas de nossos sapatos. (sem nos conhecermos). Muito curiosa essa alusão ao "Fogareiro" que, de facto, não conheci, ou não me lembro. Só me lembro de ir à missa aos Domingos à Igreja da Penha de França, pretexto maior para mostrar os vestidinhos engomados e catrapiscar os moçoilos que também não iam lá para rezar (Que Deus me perdoe!) Rsssss E Miradouros, o único que recordo (com saudade) é o do Monte Agudo onde eu ia admirar as vistas (nos intervalos dos beijinhos inocentes da adolescência). Esses jogos tipicamente masculinos, (chatérrimos) de pião, bola de trapos, caricas, berlindes, etc., eu conheci bem, porque quis o destino que eu fosse a única menina na mão das bruxas de 3 irmãos machos. O que tinha as suas vantagens, porque a mamã só me deixava ir com eles ao cinema Max, ao Imperial ou ao Lys. Acontece que eu ainda era "pita" (palavra sua... Rs) e eles mais velhos do que eu. Por isso, um dia que me levaram ao Max para ver um filme, chegados lá, viram que o dinheiro que tinham não chegava para todos os bilhetes. Então, deixaram-me 3 horas a secar entregue à menina da bilheteira, até que o filme acabasse. Eu bem chorei e pedi que me levassem a casa no intervalo, mas eles não queriam perder pitada do filme (devia ser de cowboys) e tive de aguentar. Nunca mais fui com eles ao cinema... Rsrsrsrs Etc. etc. (mas fico por aqui que a crónica é sua). Quanto ao Prefácio pedido, meu querido amigo: a minha opinião é que seria até um pecado macular a originalidade de suas lembranças pessoais, tão bem descritas aqui, com quaisquer palavras extra. Aliás, as suas crónicas e contos que tão bem conhecemos e admiramos, já nos chegam, deliciosamente impregnadas da sua marca "sui generis". A sua cultura, a sua criatividade sem limites, o seu humor especial, dispensam quaisquer palavras de introdução, porque se bastam a si próprias para fazer o deleite de quem o lê. E tenho dito! Carminho
Coisas da Meninice (ou
brincadeiras)
– de Carlos Leite Ribeiro
Velhos tempos que não voltam mais. Que saudades, da minha rua, do meu bairro e de meus amigos, das nossas brincadeiras. A malta (galera) da Estefânia/Arroios, reverenciava quando saia de casa “O Fogareiro da Penha de França, com a seguinte lengalenga: - “Fogareiro que estás lá no alto, que nos dás luz e água, protege-nos neste dia” (era mais ou menos assim). O dar luz, a iluminação pública nessa altura era muito má, com os candeeiros públicos tipo “cabeça de nabo” e nem todos estavam ligados. Uma luz de referência ficava lá no alto, na tal torre de elevação de água que tinha a configuração de um fogareiro de barro, a carvão da época. E a alusão à água era por ser torre de elevação do precioso líquido. Este “Fogareiro foi construído junto à Igreja da Penha de França: Nota: “O monte (morro) onde foi construído "O Fogareiro", em 1929, antigamente, chamava-se Cabeço do Alperche e era uma zona rústica com olivais, vinhas, pomares e hortas. Mudou de nome porque foi construída nesse local a igreja e o convento dedicados à Nossa Senhora da Penha de França. A Igreja de Nossa Senhora da Penha (de França) é uma devoção importada de Espanha, da região de Salamanca, mas cujo culto em Portugal só teve verdadeiro significado depois da construção da igreja da Penha de França, aqui em Lisboa. O Templo foi erguido em resultado da promessa dum escultor, António Simões, um dos poucos sobreviventes da batalha de Alcácer Quibir, que segundo ele se deveu ao aparecimento dum lagarto, que o salvou duma cobra. Não sei se o amigo Tito Olívio e a Carmo Vasconcelos que moraram no nosso sítio (ou bairros), também reverenciavam “O Fogareiro”…
Na época escolar, com
tempo frio e chuvoso, a malta ia para dentro de uma
escada que tinha um grande janela para a rua, na
esquina Pascoal de Melo e Ilha do Pico, jogar às
matrículas e marca dos raros carros que por essa
altura passavam na rua. O jogo consistia em escolher
uma marca de carro (Chevrolet, Packar, Morris,
Citroen (quase todos os carros de táxis “Palhinhas”
eram desta marca a que chamávamos de “rastadeiras”),
Mercedes, MG, Ford, etc. Quando passava um carro da
marca escolhida e se o último número de matrícula
fosse também o nosso escolhido, ganhava um ponto.
Nessa época (escola primária) entravamos às 8.30 h, tínhamos meia hora para o almoço/lanche e saíamos às 15 horas já com os trabalhos de casa feitos. Também jogávamos ao pingue-pongue, na “Desportiva” que ficava em frente do portão do Instituto Superior Técnico, na rua Rovisco Pais. Tínhamos é que levar uma bola que o Rui Reis, filho do dono, emprestava as raquetes e cedia duas horas para nós jogarmos. Eu era bom no “ténis de mesa” e só o Rui Reis, então estudante do Superior Técnico (talvez contemporâneo do Tito Olívio. Foi muitos anos Eng.º da Lisnave, primeiro em Lisboa e depois em Cacilhas), que jogava no Benfica é que me conseguia ganhar. Como eu tinha certa superioridade neste jogo, poucos companheiros me queriam acompanhar. Nas férias da Páscoa e sobretudo nas férias grandes do Verão, é que convivíamos quase todo o dia, fazendo as nossas brincadeiras.
Que saudades…
Dos nossos torneios de pião, berlinde de vidro, carica (cápsulas ou tampas metálicas de garrafas) mas sobretudo do futebol (com bola trapeira). Não jogávamos a “feijões” (também não a dinheiro) mas sim a cromos de futebolistas que vinham a embrulhar rebuçados (dropes ordinários). Para qualquer torneio o pagamento era desses tais cromos. Também organizávamos torneios com bairros da nossa periferia. Eu sempre fui da malta (galera) Arroios/Estefânia; outros como os do “Matadouro”, “Arco do Cego”, “Conde de Redondo” e por vezes os do “Alto do Pina”. Para o futebol, tínhamos os “estádios” da Vila Luz (rua Pascoal de Melo) e os outros também tinham seus “estádios”, como o passeio do portão do antigo “Matadouro”; os do "Arco Cego" jogavam no “Sobe e desce” (onde hoje se encontra a sede da Caixa Geral de Depósitos); os de “Santa Marta” (fundo da rua Bernardo Lima) junto ao muro do Hospital de Santa Marta; e o “estádio nacional” que era a “Fonte Luminosa”, pertencia aos do "Alto do Pina", etc.
A bola era “Trapeira”
feita de meias de senhora, recheada de papéis. Eu
era um craque “afamado” com meu pé esquerdo, pois
quase sempre o remate forte saía ao lado das balizas
(duas pedras) quando não parava de encontro a algum
vidro. Recordo-me de num “célebre” jogo contra o
“Arco do Cego”, em que numa monumental finta de
corpo, tirei três adversários da minha frente e com
o pé esquerdo rematei fortíssimo. Não foi golo, pois
a bola, caprichosamente, foi bater numa janela de
vidros pequenos. A janela que já era velha partiu-se
assim como todos os vidros. Lá minha avó entrou em
despesas e, não contou a meus pais porque tive de
jurar que durante dois meses não jogaria à bola.
Minha avó funcionou como uma Federação de Futebol ao
aplicar-me dois meses de suspensão. Durante este
tempo de suspensão, além dos vidros terem melhor
qualidade de vida, “armei-me” em árbitro, ganhando
por cada jogo arbitrado (?) 5 cromos. Um jogo correu
muito mal no “estádio nacional” (Fonte Luminosa –
Alameda D. Afonso Henriques), pois, ao não assinalar
um penalti aos do “Alto do Pina”, levei uma tareia
dos do “Conde de Redondo”. Se tivesse assinalado o
penalti, teria levado uma tareia dos do “Alto do
Pina”. Cheguei a casa com um olho negro, alegando
ter brigado com um cigano. Não sei porquê, mas
ninguém acreditou… Tive de ir à farmácia comprar
alvaiade para curar o olho inchado e negro. Coisas
de desportista…
No jogo do pião, nunca
fui grande “artista”. A nossa “pista” era no Jardim
Constantino. Com dois pregos e uma corda, fazíamos
dois círculos afastados um do outro. Lançávamos o
pião para dentro de um círculo e depois apanhávamos
o pião com a mão (entre os dedos) e corríamos até ao
outro círculo, sempre com o pião a rolar. Era
difícil este trajeto e eu, poucas vezes consegui
chegar a este segundo círculo com o pião a rolar.
Com este jogo, fiquei “empenhado” pois tive uma
“dívida” de jogo de cerca de 100 cromos. Mas fui
pagando e ainda hoje tenho a consciência plena de
não dever nada a ninguém!
Nota: O pião é um corpo que pode girar sobre uma ponta que se situa no centro gravitatório de forma perpendicular ao eixo (ângulo) de giro, equilibrando-se sobre a ponta graças à velocidade angular, que permite o desenvolvimento do efeito giroscópico. Normalmente, como foi dito anteriormente, é utilizado como brinquedo e já foi usado como instrumento em jogos de azar e para realizar profecias e outros rituais. O efeito giroscópico permite que se mantenha sobre sua ponta até que o vetor peso (massa · gravidade) termina por se inclinar em relação ao eixo, provocando uma variação na localização do centro de gravidade. Isto provoca uma variação na trajetória de giro, que começa a descrever círculos propiciando a queda do pião. Desta maneira, a queda é diretamente proporcional ao mencionado ângulo e ao vetor peso, e inversamente proporcional à velocidade de giro.
No jogo do berlinde, não
era nada mau jogador. A pista que mais utilizávamos
era a da rua Ator Taborda, mas tínhamos que pagar 2
cromos (cada jogador) aos do “Matadouro” e dez
cromos à organização. Com o berlinde ganhei uns bons
“cromos”. Esta pista era praticamente plana,
fazíamos três buraquinhos seguidos e a três passos
de distância, na terra. Cada equipa tinha 4
elementos de “sítios” diferentes. Fazíamos sorteio e
da entrada e o jogador (conforme o sorteio) fazia
seu lançamento do terceiro buraco para o primeiro.
Começava o jogador que seu berlinde ficasse mais
perto do primeiro buraco. Depois tentava meter o
berlinde no segundo, terceiro; voltávamos ao segundo
e se alcançasse o primeiro, ganhava o jogo. Mas,
neste percurso, se falhasse, o concorrente seguinte,
tentava com seu berlinde dar uma “pilada” (toque) no
do adversário para o afastar para longe do buraco
que ele pretendia alcançar. O que ganhasse o grupo,
disputava a meia-final e depois a final com os
concorrentes de outras pistas.
Nota: O berlinde normal de vidro mede cerca de 16 mm de diâmetro, mas existem outros, como o chamado abafador, que são maiores e mais ornados e têm atribuições específicas. Para lançar o berlinde, o jogador geralmente segura-o entre o dedo médio, dobrado, e o polegar de uma das mãos, enquanto o polegar da outra serve de apoio (depois de ter feito o «palmo»). Algumas pessoas preferem utilizar o polegar e o indicador: com o polegar encostam o abafador ao indicador. Apoiam os nós dos dedos no chão e lançam o berlinde com o indicador e o polegar.
O Jogo das caricas
(cápsulas metálicas de garrafas). Enchíamos o
interior com casca de laranja para as tornar mais
pesadas. O jogo consistia em jogar a carica em
lancis de passeios. Fazíamos o sorteio por
papelinhos numerados. Os primeiros a sair, não
tinham grande vantagem, pois, o seguinte tentava dar
um “pilão” (toque) na carica para a atirar para fora
do lancil e assim, voltar ao princípio. Se a pista
fosse muito longa marcávamos com giz várias etapas
no sentido de que fosse posto fora do lancil não
tivesse que voltar ao princípio. Tínhamos várias
voltas (ou etapas). Lembro-me de algumas, como:
começar e subir a rua Almirante Barroso, rua das
Picoas, rua Casal Ribeiro e terminava em frente ao
quiosque do “Vizinho”. Outra, era começar na Rua
Aquiles Montenegro, largo de Arroios (com grande
espanto dos guardas; subir a calçada do mesmo nome,
rua Ponta Delgada e terminava no final do jardim
Ilha do Faial (hoje, Cesário Verde). Terminava com o
“circuito” a este jardim (no total de seis etapas).
Recordo-me de um episódio desse “circuito”. Estava
bem classificado para o primeiro lugar, e, um colega
que tinha um amigo também com pretensões ao primeiro
lugar, colocou-se atrás de mim (da carica) e
atirou-me para fora diversas vezes. A certa altura e
muito furioso, exclamei alto:
- Meu Deus, que azar o meu! Nessa altura, passou perto uma senhora que diziam estar sempre metida da sacristia de uma igreja, que me agarrou por um braço, gritando para mim: - Menino! Nunca se invoca o sagrado de Deus em vão. Nunca para jogos patéticos como esse que está jogando. Seus paizinhos deviam de lhe ter ensinado isso, já que não o mandam à catequese! Eu, muito encavacado (encolhido) por aquele “inesperado”, sem saber se havia de rir ou chorar, enquanto alguns dos meus colegas se abeiraram da tal senhora, declarando que eram muito “crentes” e que nunca invocariam o sagrado nome de Deus em vão. Depois da senhora se afastar, rimos, rimos até o estômago doer e alguns até se rebolaram pela relva (gramado) do jardim. O jogo esteve parado largos minutos e eu, com grande “esforço” consegui ser o quarto classificado!
A “coroa rainha” da malta
era (ou foi) o circuito conduzindo um arco orientado
por uma gancheta. O arco era feito de arames
entrelaçados retirados de pneus de camioneta, e
vendidos numa loja de ferro velho que ficava na rua
de Arroios, quase por baixo do viaduto da Pascoal de
Melo. Cada arco custava na altura quinze tostões (um
escudo e meio) e por vezes “o artigo” estava
esgotado. Só cerca de vinte rapazes é que entravam
nestes “circuitos” por ruas não muito longe de
Arroios/Estefânia. Como não tínhamos cronómetro e
poucos de nós tínhamos relógio de pulso, as
classificações eram por pontos (exemplo: o 1º de
cada “circuito” ganhava 10 pontos e o 10º, só um
ponto).
Claro que estas brincadeiras para além de nos incutirem o espírito de equipa, também nos permitiam um contacto com os vizinhos, e colegas de escola, etc. Alguns arranhões e quedas faziam parte dum crescimento saudável. Todos sabem o que é um arco, mas nem todos o que é uma gancheta: um arame mais ou menos grosso, dobrado numa das pontas duas vezes a 90º, e com uma pequena inclinação para baixo. Era assim que o arco era impelido e roçava dentro da gancheta. Quando era para descer escadas, a gancheta ficava por dentro do arco, com este sempre em contato com o solo, senão eram penalizados com um ponto. Recordo-me do último ano que entrei nesse "circuito". Vamos aos percursos: 1º Circuito: Partida do Jardim Ilha do Faial (hoje, Cesário Verde), subir até à Rua Ponta Delgada, cortar à direita até ao Largo do Leão (onde se situava a nossa escola), e subir a rua Visconde de Santarém até à Rovisco Pais e, pela esquerda até à D. Estefânia com a meta no Jardim, em frente à Cruz da Malta. Era o circuito mais fácil e servia para apresentação dos concorrentes. 2º Circuito: Partida do Jardim Constantino (sito na Rua Pascoal de Melo), passar pela rua Passos Manuel até ao largo de Santa Bárbara, cortar à direita e subir a Rua Joaquim Bonifácio, uma subida longa, (passar em frente da entrada do Hospital Pediátrico, D. Estefânia que vai ser desativado), cortar à direita pela rua do mesmo nome, até à rua Alexandre Braga (passando em frente à entrada do Clube Estefânia) e terminar na esquina com a Passos Manuel, junto a uma pastelaria, onde era oferecida uma bola aos três primeiros classificados. 3º Circuito: Partida na rua Casal Ribeiro (frente ao quiosque do “Vizinho”), subir até à Defensores de Chaves até ao Campo Pequeno; junto ao Palácio Galveias e cortar à direita à do Arco do Cego até à Rovisco Pais, descer a calçada de Arroios, até à Ponta Delgada, cortar à direita e depois a parte mais difícil que era descer as escadinhas Ilha do Pico, onde perdi quatro pontos por o arco não ficar em contato com o solo); cortar à direita e pela rua Cidade da Horta chegar à final no Jardim Ilha do Pico. 4º Circuito: Partida do Jardim do Matadouro, rua Tomás Ribeiro (passando em frente à esquadra de polícia do Matadouro), cortar e descer à rua Gonçalves Crespo até ao Largo do Andaluz; cortar à Santa Marta e depois à esquerda uma grande subida da Conde Redondo, voltando no cimo à rua Gomes Freire (onde hoje se situa a Polícia Judiciária), terminando no Jardim do Matadouro em frente ao coreto. 5º Circuito: A partir daqui, já familiares e colegas nos acompanhavam, fazendo grande algazarra (gritando pelos nossos nomes). A partida foi na praça Olegário Mariano que na altura não passava de um monte de terras. Seguimos pela Cavaleiro Oliveira e, no final desta e antes de virar para a Morais Soares, tivemos grande dificuldade em passar pelos vendedores ambulantes que tudo vendiam nas suas bancas (camelotes), e as peixeiras com as canastras no chão. Uma peixeira, tão danada ficou connosco que nos atirou um chicharro (espécie de carapau grande) que bateu em cheio nas costas de um colega e salpicou-me a face esquerda (que cheiro a peixe). Continuando: com dificuldade, conseguimos virar à direita e subir um pouco a Rua Heróis de Quionga, cortar à esquerda pela Sebastião Saraiva Lima até à Calçada Poço dos Mouros (enorme e muito difícil subida, com final nas escadarias da Igreja de Nossa Senhora da Penha de França. Sentados na escadaria a descansar, e a receber água que algumas pessoas nos traziam de suas casas em jarros, bilhas a até em cafeteiras. Em determinada altura, senti que me tocavam no ombro direito, voltei-me e dei de caras com uma linda menina que me oferecia água. Creio que na altura me arrepiei todo, talvez pela primeira vez. A moça era filha do mecânico da estação de elevação de água do “Fogareiro” da Penha de França. Disse-me que morava na rua de Arroios. Mas falamos nisso mais adiante… 6º e último circuito: Partida no princípio da rua Marques da Silva (a subida mais longa e difícil de Lisboa, que termina no alto (morro) da Penha de França. Inesperadamente, foi um enorme êxito, pois, também inesperadamente, apareceu um figura bem conhecida daqueles sítios, e que o Tito Olívio se referiu numa sua crónica: um vendedor de bolacha americana, com sua caixa vermelha a tiracolo a fazer à nossa frente um enorme alarido. Gritava ele: “Cá está o homem que as mulheres esperam, o vendedor da bolacha americana que vem diretamente de Nova Iorque. Meninas, abram essas janelas e venha ver estes jovens, homens de amanhã: venham saudar estes grandes heróis do “arco”. Você aí, quantas bolachas quer – olha que estão quase esgotadas. Você aí não esteja só a rir, desça e compre-me umas saborosas bolachas, etc.”. Imaginem o reboliço que este personagem fez. As pessoas vinham à janela e depois desciam as escadas para nos darem água. Enquanto nossos familiares e amigos gritavam pelos nosso nomes. Para terem uma ideia da dificuldade da subida, os carros por altura da futura sede do Desportivo de Arroios (nessa altura ainda estavam na sede velha na rua Francisco Sanches), tinham que parar e meter a primeira velocidade para subirem até ao cimo do monte (morro). O circuito continuava com grande esforço, redobrado numa curva ainda mais íngreme a uns oitenta metros da meta. Por fim, chegámos ao largo da Igreja de Nossa Senhora da Penha de França. Por um ponto, não fui o “Rei dos Circuitos”. Ainda consegui recuperar três pontos, mas aqueles quatro que perdi na descida das escadinhas da Ilha do Pico, foi-me fatal.
Nas escadas da Igreja,
quem estava à minha espera?
Claro que era uma menina, filha do mecânico da estação de elevação de água. Além da água, ofereceu-me uma flor (creio que margarida) e deu-me dois beijinhos nas faces. Ai, ai, meu coraçãozinho como bateu… Os “circuitos” tinham terminado em beleza. Entretanto, combinei com o meu primeiro amor (não me recordo o nome), na segunda-feira seguinte nos encontrarmos no jardim Constantino depois do almoço. Recordo-me com um sorriso nos lábios a ansiedade que tive em vê-la naquele domingo. E na segunda-feira, nem me apeteceu almoçar. Na hora marcada, apareceu a moça, toda bonita, com uma flor nas tranças. Como nesse jardim havia um fotógrafo ambulante que conhecia a família, a moça convidou-me para ir para um jardim particular, na rua Passos Manuel e que separava uma fábrica de sabonetes de uma outra de lanifícios. Por sorte, o portão de um enorme muro estava aberto, e lá fomos sentar num banco, longe de olhares indiscretos. Por favor, não estejam já a pensar em “coisas esquisitas”, pois, só fazíamos o que vocês faziam quando tinham onze ou doze anos… Aquele grande amor, ainda durou uns dias, até que, a moça me disse que a mãe tinha-lhe “limpo” a cabeça e ter encontrado um piolho. Imaginem só eu aparecer com um piolho em casa! Toda a família queria saber aonde tinha apanhado o “parasita”. Nem pensar! E assim, acabou aquele grande amor.
Dias depois, fui passar
uns dias a Albergaria-a-Velha, a casa de familiares
e ali, comecei a notar que as moças olhavam muito
para mim e quando eu passava, davam uns risinhos.
“Olá - pensei eu: Isto aqui “há coisa”, tens de descobrir sem que ninguém se aperceba. Quando regressei a Lisboa, comecei a notar os mesmos olhares e os mesmos risinhos. Dias depois, começaram as aulas no Pedro Nunes, começaram os conhecimentos com moças do Manuel da Maia. Começaram os encontros no jardim da Estrela (só para ver o lago e os patos…) E foi assim a minha meninice, com brincadeira com colegas, ouvir os risinhos e a ver o olhar das moças, etc. A parte seguinte, a da juventude, já é mais complicado escrever (por falta de memória), principalmente tudo – ai, esta minha memória…
Carlos Leite Ribeiro –
Marinha Grande – Portugal
(Imagens e fotografias
retiradas da Net)
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