O Velho e o Cão

 

Conto de Natal de Carlos Leite Ribeiro

 

 
 

Ninguém sabe ao certo que é o António da Trouxa. Uns dizem que é um professor aposentado outros dizem que era profissional da Finanças. Também não se sabe porque se quis aposentar antes da data limite para se tornar num hippie dos tempos modernos.

Certo dia, abandonou o seu circulo de amigos e familiares e partiu à aventura de tenda de campismo às costas sempre acompanhado pelo seu fiel cão de nome Janota. Era uma figura alta e elegante, bem falante, com barba e cabelo quase brancos que lhe chegava até ao peito.

Vamos encontrar o António da Trouxa e o seu cão, numa noite da véspera do Natal, a caminho de sua barraca de campismo que estava armada debaixo de uma ponte.

- Pois é amigo cão Jonota, estamos novamente no Natal. Repara para a pressa que os automobilistas têm de chegar a casa para com a família, comemorarem esta Noite da Consoada.

O cão parecia que o entendia dando uns latidos baixinhos e dando à cauda. O António continuou a falar com seu cão:

- Mas amigo, nós também temos aqui uma bela posta de bacalhau que vou cozer com batatas e grelos bem regado com bom azeite. Além de uma garrafinha de vinho branco de Colares. Já sei que não gostas de vinho, por isso vais beber água engarrafada.

Já perto da tenda, ouviram um carro travar (frear) violentamente seguindo um som de um embate de chapas.

- Janota, alguém teve um acidente. Vamos lá ver o que se passou …

E os dois puseram-se a caminho para o lado em que ouviram o embate. Desceram uma ravina e começaram a ver no fundo um carro a deitar muito fumo. Apressaram o passo e em breves minutos chegam junto do carro acidentado que se encontrava de rodas para o ar. Pelas janelas, o António viu lá dentro um homem desmaiado. Com uma pedra, partiu o vidro, abrindo a porta de seguida. Como o carro estava a começar a arder, arrastou o homem que começava a dar sinais de acordar, para bem longe do carro. Já quando o homem estava em pé, o carro explodiu.

- Ó homem, você escapou de boa. Se me demoro mais um pouco, a esta hora estaria mais assado que uma sardinha. Agarre no seu telemóvel (celular) e ligue aos bombeiros para que mandem uma ambulância.

- Não, não é preciso meu bom homem, nada tenho partido e estes arranhões desinfecto-os em casa. Vou telefonar a minha mulher para me vir buscar e amanhã faço a participação à companhia de seguros. Entretanto, diga quem é você ?

- Sou o António da Trouxa e este aqui é o meu cão e companheiro, Janota. Moramos já a algum tempo debaixo daquela ponte numa tenda de campismo.

- O meu nome é José Carvalho e sou um médio empresário. Além de ter pena de perder o carro, mais pena ainda tenho nas prendas que tinha comprado para minha esposa e filhos.

- Deixe lá as prendas e dê graças a Deus por estar vivo !

- Tem razão, meu amigo !

Entretanto, chegou a esposa do José Carvalho que logo se inteirou do acontecido. O casal fez questão em convidar o António da Trouxa e o Janota, para ceia da Consoada, que a muito custo acederam.

Já em casa e depois de apresentarem seus filhos o homem e o cão, a D. Celeste “sugeriu” a António da Trouxa e seu cão que, enquanto a ceia não estava na mesa, que fossem tomar um banho reconfortador, sobretudo para tirar o cheiro a queimado do carro ardido …

Durante a ceia, o António da Trouxa, deu evasão a seus dotes oratórios e contou belos contos de Natal. Todos ficaram encantados com ele e com o Janota que fazia umas piruetas que faziam todos rir. Já de madrugada, os anfitriões convidaram o António e o Janota para pernoitarem na casa. Aceitaram. Ainda o sol não tinha nascido, já o António estava a pé e preparado para partir para a sua tenda. O Janota é que desde do princípio se mostrou contra a decisão do dono. Este teve que pegar-lhe ao colo para o transportar para fora de casa.

Durante o percurso para chegar à tenda, o Janota ladrou mostrando assim o seu desacordo por se afastar daquela bela casa e do conforto. Mas o dono, impávido e sereno seguia o seu caminho. Em determinada altura, para chamar a atenção do dono, o cão sentou-se e não estava com vontade de seguir o dono.

_ Olha lá ó seu cão, toca andar para aqui para ao pé de mim. Se tivesses um pingo de vergonha, não estava prá aí a armar-te em esperto. Olha que eu bem vivo que durante a noite foste lamber os bolos e pior do que isso, fizeste porcaria debaixo da cama. Porcalhão ! Não tens vergonha nenhuma nesse focinho e não aprendeste o que eu te ensinei.

O cão baixou a cabeça, meteu a rabo entre as pernas e com ar de envergonhado foi ter com o dono. Quando chegou ao pé dele, pôs-se em pé e com uma patinha começou a fazer festinhas ao dono, como a quer dizer-lhe:

- Dono, cá o Janota vai seguir os teus conselhos e tornar-se num cão social e limpinho. Mas tens de prometer que para o ano, voltaremos a casa dos nossos amigos …

 

Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande - Portugal

 

 

 
Arte Final: Iara Melo

 

 

 

 

Copyright © Carlos Leite Ribeiro Web Page

Todos os direitos reservados