Dizer que fazemos
entrevistas algo fora do comum, por vezes, tem, as suas implicações:
umas menos agradáveis e outras muito agradáveis, como este caso. Quando
telefonámos a ALICE TOMÉ, , e lhe dissemos que lhe queríamos fazer uma
entrevista "fora do comum", logo a nossa entrevistada nos disse: -
"Carlos ! estou plenamente de acordo em fazer essa entrevista, mas, como
você disse, uma entrevista fora do comum! ... Esteja tal dia e a tal
hora no Aeroporto Internacional de Lisboa". A vida de jornalista tem,
por vezes, surpresas que nem sonhávamos encontrar. Esta foi uma delas.
Nesse dia e hora marcada, quando entrámos na gare do aeroporto lá estava
Alice Tomé, e imaginem que o destino era Paris. – "Paris, é uma cidade
que adoro e onde me movo completamente à vontade" – foi-nos dizendo,
como uma justificação. Depois, bem depois de cerca de duas horas,
aterrávamos no aeroporto Charles de Gaulle, a poucos quilómetros do
centro de Paris. Quando chegámos à chamada Cidade Luz, o tempo não
estava nada agradável o que restringiu a nossa manobra de acção pois
tivemos que ficar na Ilha de Paris. Passámos rapidamente pelo cais do
Sena bem perto do Palácio do Louvre, visitámos uns cafés dos chamados de
"existencialistas" e fomos ao café Ochôa tomar um aperitivo naquele café
de um português de Monção, casado com uma brasileira de Santa Catarina
(D. Matilde). Mais tarde fomos almoçar no 1º andar da Torre Eifell, onde
começámos a nossa entrevista:
"Alice Tomé, como é que você se
auto-define ...?:
"Como lógico-matemática e romântica".
Qual a
característica que mais aprecia em si, e também nos outros ...?:
"Honestidade
e capacidade de auto-gestão: Nos outros a mesma coisa".
Qual foi o
maior desafio que aceitou até hoje ...?:
"Fazer o Doutoramento com as
condições laborais que tinha nessa época".
Diga-nos qual a sua melhor
qualidade e tembém o seu maior defeito ...?:
"Qualidade, honestidade e
profissionalismo. Defeito, talvez o perfeccionismo".
De que mais se
orgulha ...?:
"De viver sempre, e em cada instante, como penso que
devo viver".
Uma imagem do passado que não quer esquecer no futuro
...?:
"Tenho muitas, por exemplo as imagens coloridas que via ao
acordar, a admiração dos adultos quando me viam "alimentar" de flores
frutíferas, a felicidade de ser uma criança "livre".
Então a Alice
Tomé quando era criança ... ?:
"Dizem os amigos que nasci a cantar e
passava o tempo cantarolando. Depois do trabalho escolar passeava rio
abaixo, rio acima. A Côa, como nós lhe chamamos, os Valonguenses, era a
minha preferida, tudo aí me encantava. A água dos moinhos, os seixos, as
pedrinhas e aí revivia as histórias que aí se contavam e que sobre ela
nos cantavam aos serões". – Já nos disse, entre outras coisas, que era
uma pessoa romântica.
Pois bem, como vai de amores ...?:
"Amores nunca
são demais a menos que sejam venenosos".
O arrependimento mata ... ?:
" Se matasse o mundo já não existia ...":
Que género de filme daria
sua vida ...?:
"E Tudo o Vento Levou", no papel de Scarlett, um pouco
mais gritante ...".
Qual a personagem que mais admira ... ?:
"Toda
aquela que sabe ir sempre mais além ultrapassando os obstáculos com
sensatez e liberdade".
A refeição estava terminada. Embora não tivesse sido confeccionada pela
Alice Tomé, estava deliciosa – e muito bem acompanhada com vinho
"Santo", das adegas da Nazaré, colheita de 1982.
O tempo não tinha melhorado e fazer um circuito turístico a Paris,
nestas condições, era praticamente impossível. Resolvemos subir mais um
andar e, num dos cafés deste andar fazer horas para apanhar o avião para
o regresso. Entretanto, a nossa entrevistada, foi-nos dizendo: "Partilho
a minha vida entre as cidades de Paris, Lisboa e Covilhã. De todas,
Paris é a minha preferida; é como se tivesse asas e voasse até ao
infinito destas grandes e imponentes ruas que todos acolhe sob a tutela
de "liberté, égalité et fraternité", onde a procura do saber tem um
sentido peculiar, onde o banho cultural é oferta a quem lá vive, onde os
amores cercam os cafés, os parques ajardinados e onde as flores nunca
murcham !". Estávamos encantados em ouvir a Alice, que, a certa altura
até nos pareceu a "Alice no Mundo das Maravilhas" !. Mas a entrevista
tinha de continuar, assim aproveitámos para lhes colocar outra pergunta:
O dia começa bem se ... ?:
"Se se dormir e sonhar bem, com vontade de
sorrir e cantar".
Para a Alice, qual o cúmulo da beleza ... ?:
"É
tentar ser sempre mais belo, isto é, procurar mais e melhor, adaptar os
defeitos tentando transformá-los em qualidades e sobretudo tentar
expressar o encanto".
E da fealdade ... ?:
"É não querer evoluir,
ficar parado, queixando-se de tudo e de todos em geral".
Que vício
gostaria de não ter ... ?:
"Gostaria talvez de ser um pouco menos perfeccionista porque isso criou uma imagem de marca que não é fácil de
suportar, e, por isso, ao longo dos anos, tentei desfazer-me dela".
As
piadas às louras são injustas ...?:
"
São mais que injustas porque na maioria
dos casos são frutos do ciúme e o ciúme
pode até matar ...".
Que influência tem em si a queda da folha e a chegada do frio ...?:
"É
um sentimento que tudo transforma, que a vida nasce e morre e que a
nossa vida é como o vento que faz cair essas folhas; para mim é sempre
um momento nostálgico e de reflexão".
Deus existe ...?:
"Deus sendo o princípio de tudo a sua
existência não é questionável".
Seus
passatempos preferidos ...?:
"Ler e passear em lugares tranquilos".
A
Cultura é uma botija de oxigénio ... ?:
"A Cultura desperta sempre o
desejo de ir sempre mais longe, atingir outros limites, e por isso é
mais que uma botija de oxigénio, é um mar de oxigénio".
Que livro anda
a ler ...?:
"Muitos, porque leio muito e adoro ler. À noite gosto de
ler Poesia. Quis o destino que eu cruzasse Ângelo Rodrigues, editor e
admirável Poeta, cuja paixão pela renovação do SER é um dos seus objectivos, ando a ler "Da Ressurreição do Espanto" – 1998, e outras
obras".
O que é para você o termo Esoterismo ... ?: - "É uma filosofia
de vida que quem quiser compreender transformará e transmitirá".
Acredita na reencarnação ... ?:
"Na
Natureza nada se perde, tudo se
transforma, tudo renasce".
Acredita em fantasmas ou em "almas do outro
mundo" ... ?:
"Talvez a definição não seja a mais
adequada mas os humanos somos bastante
limitados".
O Imaginário será um sonho da
realidade ... ?:
"Porque criado, construído na mente, tem uma
existência própria e povoa a realidade".
Acredita em histórias
fantásticas ... ?:
"Porque não ?! O fantástico também depende do
parâmetro que se utiliza. Viver é uma história fantástica".
Para
quebrar a sequência, e, se, de repente, lhe oferecerem flores, isso é
... ?:
"Uma forma de amizade ou de reconquista da amizade - uma das
formas de "enamoramento" .
Estava na hora de remarmos para o aeroporto e apanhar o avião de
regresso a Lisboa. Foi uma viagem agradável. A nossa entrevistada a dada
altura disse-nos: "Embora me chame Maria, vivo como Alice e gosto de ser
tratada por Alice. Maria é só para a família. Maria sempre me pareceu
nome demasiado perfeito, demasiado virtuoso para uma criatura como
Alice". – E a data de seu nascimento ... ?: - "Essa é forte, Carlos !
Nunca se deve perguntar a data de nascimento a uma senhora ! Nasci numa
aldeia bem portuguesa, em Valongo do Côa, cheia de poesia, penso que em
dia de sol, em 1949".
É lindo aterrar à noite na bela Lisboa. Então a Ponte Vasco da Gama à
noite e vista do ar, é uma arquitectura admirável que nos sugere uma
viagem numa caravela dos nossos já longínquos antepassados. Já era
madrugada e tínhamos que viajar até à cidade da Covilhã, onde a Alice
Tomé é Professora universitária. Era uma "directa" de muitas horas - mas
que é isso para uma jornalista ?... "Covilhã – cidade e sede de concelho
do distrito de Castelo Branco. Atribui-se geralmente a fundação da
Covilhã ao tristemente celebrado conde D. Julião, que, para se vingar de
D. Rodrigo, o último rei dos godos, lhe haver seduzido a filha, provocou
a invasão dos Árabes na Península Hispânica. Conta a tradição que na
Covilhã nascera a formosíssima D. Florinda, pelo povo denominada de
cava, depois de se tornar amante do rei, que pagou com a vida a perda da
coroa, os agravos à honra do seu nobre vassalo. Há escritores antigos
que consideram o nome Covilhã, como derivado dos referidos factos,
dizendo que o conde Julião chamara à vila Cava-Juliana – reunindo assim
o seu próprio nome e que o povo dera a D. Florinda; mas esta versão é de
todo o ponto inadmissível. O vocábulo Cava na linguagem contemporânea
não significava barregã se não na acepção figurada, a significação
natural era de cova, e porque a vila ficava encovada na serra, lhe
chamaria o conde Cava-Juliana. Outros, porém, com melhor senso, são de
parecer que o antigo nome fosse o de Cava ou cava-lhana, que, com o
decorrer do tempo se corrompeu para Covilhã – será ?...". Chegámos à
Covilhã à hora do café matinal. A Alice escolheu o Café Fora D’Horas, no
centro da cidade, muito perto do Rossio Covilhãnense, na Rua Comendador
Campos de Melo. Aí se realizam Recitais de Poesia e outras Artes, que os
estudantes Ubianos ali organizam. É um lugar pequeno mas acolhedor,
onde, a viagem pela melhor poesia portuguesa e pelos seus autores
encontra refúgio. Quem sabe se a Rádio Criativa vai lá um dia fazer um
"directo" ...
Alice Tomé, diga-nos quais os autores e livros
preferidos ... ?:
"Montaigne, Luis de Camões, Proust, Camus, Victor
Hugo, Jorge Amado, Nietszche, Padre António Vieira, Almeida Garrett,
Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Miguel Torga, António Gedeão, Amália
Rodrigues... e, muitas obras sobre Sociologia, Emigração e Educação... e
ainda muitos, muitos outros. Prefiro autores onde se sente a paixão da
escrita e capazes de criar novos desafios e, sobretudo criar
desassossego, na procura do sempre mais e melhor, como é o caso de
Ângelo Rodrigues, Teresa Pires Carreira, Ana Paula Bastos, Carlos Leite
Ribeiro, Eduardo Barrox, José Roaldo Corrêa, Flávio Alberoni, Irene
Serra,
Mauel Alegre, Américo Rodrigues, João Sevivas, Douglas Mondo, Valmir
Flor da Silva, e, ...".
Música e autores preferidos ... ?:
"Adoro
música, seja clássica ou moderna, mas o fado é para mim qualquer coisa
de irresistível".
O filme comercial que mais gostou ... ?:
"Música
no Coração". – Sua obra literária ... ?:
"Tenho vários livros
publicados, muitos artigos em Portugal e no Estrangeiro, e, ultimamente
tenho publicado sobretudo em Portugal/Lisboa e no Brasil/São Paulo,
sendo as últimas obras:«MITOS ARTE EDUCAÇÃO. Monumentos ao Emigrante em
Portugal», Edições 70, Lisboa, 2000; «TERRA VIDA ALMA, VALONGO DO CÔA»,
Editorial Minerva, Lisboa, 2000"; participação na Antologia Poética «POIESIS
lV», Editorial Minerva, Lisboa, 2000; participação também na Antologia
Poética «POIESIS VI», Editorial Minerva, Lisboa, 2001, «SOCIOLOGIA DA
EUDAÇÃO. ESCOLA ET MORES», Editorial Minerva, Lisboa, 2001 e no
«Magazine Andarilhos das Letras# 2 - Café Literário» - publicação Blow-up
& Andarilhos das Letras Editores Associados, São Paulo, mar/abr 2002; (nº
2 e seguintes) *.
E assim falámos de:
http://atome.no.sapo.pt/index.htm
Que ainda nos disse: "Adoro ser o que sou, Professora universitária de
Sociologia da Educação, como diz o Ângelo Rodrigues "Ser professor é
algo heróico" mas nasci quase a ensinar ... e já perdi a conta do número
de estudantes que por mim passaram, espalhados pelo mundo. Desejo-lhes
muito sucesso e que sejam eles próprios procurando sempre saltar
barreiras desde que a meta que idealizaram seja atingida com honestidade.
Valonguense, Sabugalense, Beirã de gema, portuguesa de "jus sanguinis",
amante da vida, da canção (sobretudo canção/fado) e da "Arte" em geral,
de Lisboa e Paris, (e Covilhã onde trabalho), convicta e feliz por ter
vivido em cidades tão magníficas, guardo na memória o sonho da eterna
saudade. Quando estou em Lisboa "morro de saudades" de Paris, dos seus
jardins, museus, cafés-teatro ... Quando estou em Paris quero encontrar
as ninfas do Tejo, as casas de fado ... Gostava de cantar as minhas
poesias; ser responsável dum grande Clube de Futebol; viver numa Quinta
com muitos cavalos e sobretudo com Cavalos Lusitanos – filhos do vento
...".
* (Da Antologia Poética «POIESIS lV» – Minerva /2000):
OLHARES E MEMÓRIAS
"Fui ao passado / Ao presente e ao futuro / De quem governa / Esta terra
Lusitana / Que por ser filha do vento / Não conhece o amanhã / E não
pára no tempo ...
Pensei, analisei e vi / Que por intuição / E lógica também / Governa e
governará / Porque uma luz lhe assiste e assistirá / Assim é, e assim
será !...
Não guarda memória / Mas alguém guardou e guardará / E então escreverá /
Que outro Sol amanhã nascerá / E sabe-se lá ... / Quem Portugal
governará ? / E que mais acontecerá !"