"
Encontro Inesquecível " - de
Formatação: Iara Melo

Joaquim Saraiva era
um pacato cidadão. A sua vida era uma
perfeita rotina: levantava-se às 7.30
horas para apanhar o Metro às 8.15 horas
para estar no emprego sempre às 8.55
horas, altura em que picava o cartão de
presença na firma onde trabalhava. Os
colegas, por graça, alcunharam-no de
“relógio suíço”. De regresso a casa,
entretinha-se a fazer o seu jantar, para
depois ver a televisão quando lhe
interessava ou ler um livro ou revista
enquanto o sono não chegava.
Já há mais de um ano que não ia a um
cinema ou teatro. Ah, também gostava de
ver futebol na televisão ou ouvir pela
rádio o relato do seu clube favorito.
Um dia, ao chegar a casa encontrou na
caixa do correio uma carta do Tribunal
Distrital, a convocá-lo para comparecer
em determinado dia para prestar
declarações e com multa por ter faltado
à primeira convocatória. Ficou muito
admirado com o que leu, pois, em
consciência não tinha faltado a nenhuma
convocatória e nem sabia porque tinha
sido convocado.
Na data e hora marcada pela
convocatória, o Joaquim (Quim, para os
amigos) entrou no Tribunal. Passou pela
Secretaria onde o mandaram esperar numa
sala de espera, onde já se encontrava um
militar da GNR, pois, a Delegada do
Ministério Público queria falar com ele.
Esperou mais de uma hora e por fim
chamaram-no. Já em frente da Delegada,
esta perguntou-lhe:
- O seu nome é Joaquim Saraiva?
- Sim, Srª. Doutora. Só não sei porque
estou aqui, pois, em consciência nada
fiz.
- É a desculpa que todos dão… Está aqui
como testemunha de um embate de carros
e, também, para se justificar a sua
ausência na primeira convocatória.
- Perdão Sr. Doutora, em não testemunhei
(felizmente) nem faltei à primeira
convocatória, pois, não a recebi.
- Vamos ver se nos entendermos: seu nome
é Joaquim Saraiva e mora em Leiria, na
rua Almirante Reis, nº 1233: Certo?
- Certíssimo. Moro nessa morada, há mais
de 22 anos. Numa casa…
- Vamos ver: onde estava você, na
madrugada do dia 22 de Novembro. Pelas
2.40 horas?
- Sem receio de me enganar, estava em
minha casa e a essa hora a dormir. Não
tenho hábito de sair à noite nem de
fazer madrugadas. Não tenho ninguém que
possa confirmar, pois, vivo sozinho.
- Não queira criar confusão (que eu nem
aceito confusões). Rosa, chame o militar
da GNR…
GNR: - v. Exª., posso entrar?
Delegada: - Entre – respondeu-lhe a
Delegada, que continuou – Conhece ou
lembra-se deste senhor?
GNR: - Saiba V. Exª, que não conheço nem
me lembro de alguma vez o ter visto. Nem
sei a que processo se refere.
Delegada: - O processo é referente
àquele embate entre dois carros, na
Batalha, em Novembro último que provocou
ferimentos ligeiros numa senhora. O Sr.
Tomou conta da ocorrência…
GNR: - Deve haver qualquer engano, pois,
o indivíduo que provocou esse acidente,
era estrangeiro e mal falava o
português. Além de ser mais alto que
este senhor, tinha o cabelo louro e
olhos azuis.
Delegada: - Já vamos ver o que está a
acontecer. Rosa, vá à Secretaria e
traga-me todo o processo nº 222233/11.
Não demore por favor.
Poucos minutos depois, a secretária da
Delegada entrou no gabinete com dois
dossiers debaixo do braço. “Aqui tem
todo o Processo, Srª. Delegada”
Delegada: - Vamos ver… até aqui tudo
bem: nome e morada…
Quim: - A Srª Delegada pode dizer-me a
data em que o Tribunal mandou a primeira
convocatória?
Delegada: - Foi no dia, foi no dia, 3 de
Janeiro. Seu nome está correcto, mas a
morada não… O Sr. Joaquim Saraiva morou
(ou esteve alguns dias) na cidade de
Setúbal?
Quim: - Nunca vivi nessa cidade e há
mais de 25 anos que não vou a Setúbal,
e, quando ia lá era para apanhar o barco
para Tróia.
Delegada: - Que confusão… vamos ver a
participação da ocorrência feita aqui
pelo Sr. da GNR … pois, o nome que aqui
está é Joaquim (com letra “n”) Swart,
com residência em Setúbal. Este engano
foi feito aqui na Secretaria. Vou tratar
do caso…
Rosa: - Srª Delegada, chegou a D. Isabel
Rosa, a vítima desse acidente. Posso
mandar entrar?
Delegada: - Mande entrar. – D. Isabel
Rosa, conhece este senhor?
Isabel: - Não sei, Srª. Delegada…
Delegada: - Não se lembra se foi este
senhor que abalroou o seu carro e
provocou-lhe ferimentos?
Isabel - : - Pode ser… não sei… pela
altura e corpulência…talvez…
Delegada: - Talvez, nunca foi certo: É
ou não é – responda por favor.
Isabel: - Eu estava no chão e não o via
bem… Talvez seja…
Delegada: - Estou elucidada. O Sr.
Joaquim Saraiva pode retirar-se em paz,
assim como o Sr. da GNR. Quanto a D.
Isabel, tenho que fazer-lhe mais umas
perguntas.
Na saída do Tribunal, Quim suspirou
profundamente. Psicologicamente, não se
sentia capaz de ir trabalhar (o que era
muito raro nele). Apanhou um táxi e foi
para casa: deitou-se na cama e só
acordou à noite.
O tempo passou e o caso foi esquecido.
Uma manhã, quando o Quim saia do Metro e
a caminho do trabalho, um carro parou
junto dele e uma voz, depois de baixar o
vidro, gritou-lhe:
Isabel: - Olhe lá seu homezeco, o carro
que você abalroou, como vê, já está
arranjado. Mas você vai-mas pagar – isso
vai…
O Quim não lhe respondeu, mas pensou
para si: “Ai que o dia me vai correr
mal!”
Poucos minutos de se sentar à sua
secretária da companhia de seguros onde
trabalhava, um colega foi ter com ele:
Vitor - o Abel hoje não vem e está no
balcão uma senhora que quer saber em que
ponto está o processo de um acidente que
teve. Tu que trabalhas em colaboração
com ele, vai atendê-la. Mas já te vou
avisar que essa senhora, é muito bonita
mas tem cá uma língua de víbora, que não
é brinquedo nenhum. Não te demores muito
pois senão ela é bem capaz de invadir as
instalações!
Com pouca vontade, o Quim levantou-se e
dirigiu-se ao balcão para atender a
cliente. Quando chegou ao balcão, ouviu
logo a “saudação” com que a cliente o
presenteou:
Quim – Em que lhe posso ser útil? … Mas
você aqui?!
Isabel – O mesmo direi eu: que faz você
aqui? Até parece que me anda a perseguir
depois de ter amachucado meu carro!
Quim – Perdão, primeiro, não tenho carro
e já há muito que não conduzo (dirijo).
Portanto e como ficou amplamente
demonstrado que não fui eu que provoquei
o acidente. Disto isto, diga-me por
favor, em que lhe posso ser útil?
Isabel – Sempre a mesma desculpa… Olhe,
quer saber quando esta seguradora me
paga os prejuízos que tive?
Quim – Só lhe posso dizer que esta firma
lhe pagará tudo a que tem direito quando
receber o processo que o Tribunal nos
vai. Só não lhe sei dizer quando isso
acontecerá.
Isabel – Oxalá que você não atrase essa
comunicação, por simples vingança…
Algumas semanas depois.
O Quim e os colegas estavam na pausa da
tarde para tomar café, perto da
seguradora, quando junto ao balcão,
quando uma voz de mulher pediu em alta
voz “Tire-me um café bastante forte,
pois estou com muita pressa”.
Ao ouvir aquela voz, o Quim voltou-se e
viu a moça que o acusava de ter
amachucado seu carro, ao mesmo tempo que
ela também o via. Ela, já com a chávena
(xícara) na mão, sem quer fez um
movimento brusco e entornou o café por
cima do Quim.
Isabel – Desculpe sr (não sei quantos),
não foi por mal. Mas estou disposta a
pagar a lavagem da camisa…
Quim – Como lhe posso perdoar, se estou
todo sujo de café? E não é só a camisa
como as calças e roupa interior até às
meias? Como posso voltar ao escritório
neste estado?
Isabel – Já lhe disse que pago tudo!
Quim – Recuso essa opção. Você, é que
tem de lavar tudo e passar a ferro,
senão…
Isabel – Eu lavo tudo pois até me fica
mais barato. Quer boleia até sua casa
para mudar de roupa?
Quim – Se não me der boleia, também paga
o táxi!
No Domingo seguinte, logo pela manhã, a
campainha da casa onde morava o Quim,
tocou. Com grande admiração sua, quando
abriu a porta encontrou uma linda moça
com as suas calças e camisa na mão e um
pequeno saco com as meias e cuecas.
Estufatado pela situação, só pode
balbuciar:
Quim – Não sei seu nome? Eu sou o Quim…
Isabel – E eu sou a Isabel!
Quim – Fico-lhe muito agradecido pela
sua gentileza de vir entregar-me a
roupa. Pode entrar…
Isabel: - Não entro não!
Quim – Então, como já são horas do
almoço, convido-a para almoçar comigo.
Você dá a boleia e eu pago-lhe o almoço?
Isabel – Bem… Então despache-se pois, eu
com fome só impossível de aturar. E já
agora, onde vamos almoçar? Olhe que não
gosto de peixe com muitas espinhas…
Quim – Contava ir almoçar uma pizza ao
Colombo…
Isabel – Não se demore. Olhe que só
espero 8 minutos!
O almoço correu bem, com conversa de
nível elevado, principalmente, quando o
Quim lhe disse que a indemnização da
seguradora estava pronta para ser
entregue e o que o verdadeiro culpado do
acidente tinha sido apanhado pela
polícia quando se preparava para sair do
país. A partir desse dia, começaram a
tomar o café depois do jantar, em
princípio uma vez por semana, depois
duas vezes até que chegaram a tomar o
café todos os dias e ao domingo
almoçavam juntos quase sempre.
Num sábado, ela atrasou-me na hora
marcada para o café depois do jantar.
Desculpou-se que tinha ido ao
veterinário com seu gato, para este
fazer uma “pequena” cirurgia
(castração), pois, as vizinha se
queixavam que o gato andava sempre atrás
de suas gatas.
Quim – Coitadinho, nem gato se pode ser
nesta terra!
Isabel – Também tive pena, mas teve de
ser…
Num sábado de Lua Cheia, o parzinho
depois do jantar no restaurante onde
costumavam frequentar, resolveram ir a
uma discoteca perto de uma praia. A
discoteca estava cheia e o barulho era
muito. Por essa razão, resolveram sair e
ir admirar a lua (que estava linda) numa
falésia junto à praia. A conversa era
banal e em determinada altura, num
movimento natural e brusco de suas
cabeças, seus lábios se colaram num
longo e lânguido beijo. Naquela
situação, começaram a aliviar a roupa um
ao outro, esquecendo de admirar a Lua…
Algum tempo depois, Isabel começou a ver
uma luz que se dirigia para o carro, e
exclamou:
Isabel – Quim, será que a Lua descesse à
Terra?
Quim – Estou a vê-la lá em cima…
Isabel – Então o que será aquele foco de
luz?
Quim – Não faço a menor ideia do que
seja. Talvez seja um extraterrestre. Mas
pelo sim pelo não, vamos enrolar a roupa
em volta dos nossos corpos.
Segundos depois, a tal “luz” bateu no
vidro do carro e pediu para abrir. Era
uma guarda-florestal que andava a passar
a ronda:
Guarda – Que estão aqui a fazer a esta
hora?
Muito atrapalhados e sem saberem qual a
melhor justificação a dar ao
guarda-florestal, disseram ao mesmo
tempo:
- Estamos a admirar a Lua que está
belíssima!
O guarda deu uma enorme e sonora
gargalhada, antes de responder:
Guarda – E para admirar a Lua, é preciso
estarem meios nus?
A situação era embaraçosa. A Isabel teve
então uma “brilhante” ideia:
Isabel – Senhor guarda, nós pertencemos
a um grupo de adoradores da Lua Cheia e,
para melhor a adorámos, temos que tirar
a roupa…
Perante tal resposta, o guarda-florestal
voltou a dar uma sonora gargalhada e
aconselhou-os:
Guarda – Bem, bem… vistam-se que a noite
está fresca e regressem a casa. Boa
Noite!
Os meses foram passando e cada vez a
amizade crescia, embora por vezes com
umas discusõeszinhas à mistura. Durante
um jantar, o Quim pediu a mão a Isabel.
Ela sorriu.
Isabel – Mas só a mão, pois não podemos
esquecer aquela Lua Cheia, aquela luz e
sobretudo o guarda-florestal. Mas
prometo-te que vou pensar muito bem e
com muito cuidado na tua proposta. Por
fim, pensou a aceitou.
Meses depois, na véspera do casamento,
Isabel telefonou a seu noivo.
Isabel – Quim, sempre vais à despedida
de solteiro com os teus colegas?
Quim – Sim vou. Vais ser uma pequena
festa num restaurante…
Isabel – Num restaurante? Olha, antes
dessa despedida, convido-te a
acompanhar-me ao veterinário.
Quim – Ao veterinário? O que vais lá
fazer? O gato está doente?
Isabel – O gato está de boa de saúde.
Quero ir lá para o veterinário te fazer
a operação que fez ao gato –
recordas-te?
Quim – Deixa-me rir! Podes ter confiança
em mim, para mais, hoje não é dia de Lua
Cheia!
Ano e meio depois, numa maternidade,
Isabel acaba de dar à luz um lindo bebé.
Depois do parto, Quim aproximou-se da
mulher.
Quim – Como estás minha querida? Ainda
tens muitas dores?
Isabel – Já sinto menos dores, mas,
continuo a pensar que devia ter-te
levado ao veterinário… Olha, desde já
fica combinado que se tivermos mais
algum filho, será tu que o tens…
Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande –
Portugal
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